Índia: “Encontro com Amma” em Amritapuri por Paulo Hayes

| 15-12-2013

Índia: "Encontro com Amma" em Amritapuri por Paulo HayesPartilhamos hoje uma pequena crónica de Paulo Hayes, que está de visita à Índia, relatando o seu encontro com Amma.

Paulo Hayes é Professor de Yoga e director do Yoga Darshan – Portugal.

Nós gostámos muito. Esperamos que goste também. Deixe o seu comentário no final.

 

 

Encontro com Amma em Amritapuri – uma atmosfera espiritual

Por: Paulo Hayes

 

Índia, 8 de Dezembro, 2013

Sempre que posso vou para áshrams. Conheço vários na Índia, de diversas tradições espirituais. A porta do meu coração abre-se sempre que adquiro novas experiências, conheço pessoas e culturas, experiencio rituais diferentes de vida.

Nesse dia acordei pelas cinco da manhã. Planeamos sair de um áshram pelas seis horas. O grupo de catorze pessoas, de diversas nacionalidades, combinou visitar o ashram da Amma, localizado no distrito de Kollam e mais precisamente em Amritapuri. O dia raiou e estávamos todos à porta do ashram, de saída. O Bruno (um Brasileiro que estava a fazer um curso no ashram e que organizou esta viagem subitamente adoeceu e desistiu). Inscrevi-me no dia anterior pois disseram-me ainda haviam lugares no autocarro. Acontece que no próprio dia já não haviam lugares. O autocarro (uma mini van mais precisamente) tinha apenas 12 assentos. Já depois de ter arrumado a minha mochila e mais a mala de viagem fui forçado a desistir. Fiquei triste por não ter ido com o grupo, afinal parecia-me uma boa opção visitar o ashram da Amma e receber o seu famoso abraço. Bem, o universo lá sabe o que faz – pensei eu com os meus botões. Se não é para ir então não vou – cogitei de novo, embora triste. Regresso ao ashram, de onde já tinha feito o checkout do meu quarto, a tentar planear os próximos dias. Faço sempre planos, visualizo o meu dia – como poderá ser – mas muitas vezes o “dia” já tem  planos para mim. Assim foi. Ao entrar de novo no ashram reparo que me faltava uma pequena mochila onde guardava o dinheiro e o passaporte. Fui a correr ao meu quarto, procurei em todo o lado e nada. A mochila tinha ficado dentro do mini autocarro que tinha partido para o ashram da Amma. Todo o meu dinheiro estava nessa mochila, mais o passaporte, cartão de crédito, computador e telemóvel. Dá para imaginar como uma pessoa se sente – muito preocupado e sem nada. Decidi então e rapidamente apanhar um táxi ao encontro do grupo. Afinal o universo queria que eu fosse, era apenas um teste à minha paciência e capacidade de resolver o problema. E assim foi – passado 2 horas encontrei o grupo e recuperei a minha mochila. Recuperei também o meu sorriso interior e toda a apreensão se esvaziou da minha mente – estava na estrada certa e a caminho de Amritapuri.

Cheguei ao áshram (Mata Amritanandamayi Math na localidade de Amritapuri) ao mesmo tempo que todo o grupo. Após nos instalarmos devidamente fomos comer. Estava em jejum há muitas horas, na verdade apenas com um “chai” no estômago, era hora de comer. Após um rápido duche lá fui eu almoçar. A comida Indiana é gratuita dentro do ashram. Existem, no entanto, alternativas mais ocidentais que são pagas, tais como massa com soja ou um delicioso brownie. À noite bebi 3 copos de limonada. Soube-me tão bem! Paguei 500 rúpias pelo meu quarto (equivalente a 6 euros mais ou menos). O alojamento é bastante humilde, no máximo o quarto tinha quatro metros quadrados com uma cama e um armário, uma casa de banho minúscula e com “banhos a balde e púcara” de água fria. Não é necessário mais nada, apenas um sítio limpo e tranquilo para dormir. Aproximava-se a hora do “darshan”.

O encontro com a Amma chama-se “darshan”. A palavra darshan, com origem no sânscrito, num sentido amplo pode significar “ver”, “ponto de vista”, “visão espiritual” e “bênçãos” num sentido mais restrito. Na Índia, por exemplo, existem seis “darshanas” no sistema filosófico ortodoxo Hindu. O yoga é um dos seis darshanas. Existem também darshanas não ortodoxos (que não seguem os Vedas como fonte de autoridade), como por exemplo o Budismo, Sikhismo, Jainísmo. Fiquei com a senha 601-700, mas esse número vale o que vale – é apenas uma senha pois as horas de espera que se seguem é que são significativas. Pelas 17 horas lá fui eu para a fila, juntamente com centenas de pessoas. A fila era extensa, na maioria Indianos e que têm prioridade. Pelas 19 horas começou a vir o cansaço e alguma fome. Afinal, não era justo passarem-nos à frente – pensei eu. Encostamos na fila da direita, enquanto nos passavam pela esquerda e entravam na sala onde Amma se encontrava para dar o darshan e o seu abraço maternal. Toda a estrutura social da comunidade vive à volta de Seva (trabalho voluntário em prol da comunidade).

Seva é uma forma de karma yoga (união através da acção justa). Seva é um serviço devocional abnegado que poucos ocidentais estão disponíveis para o realizar, durante um longo período. Eis o que consta no folheto de boas-vindas e que em seguida transcrevo: “ Em Amritapuri, o serviço abnegado é parte integral da prática espiritual de residentes e visitantes. Quando trabalhamos para os outros sem expectativas, colhemos uma mente pacífica e um coração aberto. Além disso, quando participamos na manutenção diária do ashram, estamos de fato ajudando a mantera sede de uma das organizações mais eficazes e de amplo alcance humanitário daÍndia e, portanto, levando luz, amor e compaixão ao mundo. Durante a sua estadia, você será convidado a participar de algum serviço por uma ou duas horas por dia.”

Amma entretanto retirou-se, talvez para descansar ou comer. Afinal, todo o dia a abraçar e a conviver com milhares de pessoas deve ser extenuante. A fila dos estrangeiros continuava a aumentar. Passou-me pela cabeça desistir – nunca fui muito de grupos nem de adorações, o intelecto sempre me permitiu outras visões da realidade. Por volta das vinte horas Amma regressou à sala para continuar o darshan (é incerta esta hora porque perdi o meu relógio tissot uns dias antes de sair de Portugal. Estava um bocado apegado ao belo e valioso relógio e perdê-lo foi mais uma forma de treinar o desapego. Mas custou bastante – o objecto e a experiência da sua perca). Poucos minutos depois começamos a caminhar para dentro da sala.

 

A sala do darshan e o encontro com Amma

Amma é adorada na Índia e em todo o mundo da mesma forma que o Papa ou o Dalai-Lama, nas suas respectivas tradições espirituais. Ao entrarmos a porta que dá acesso à sala há dezenas de cadeiras, devidamente organizadas. As pessoas sentam-se e vão-se chegando à frente de uma forma ordenada. Há muitas colaboradoras a ajudar – essencialmente mulheres de todo o mundo e alguns (poucos) homens. Trata-se de facto de uma “linhagem matriarcal” em que a “shakti – aspecto feminino do Absoluto” – è valorizada. Sempre foi assim no sul da Índia. Ainda bem que assim é. A atmosfera era incrível. Flores por todo o lado exalavam um cheiro indescritível,  sândalo mas certamente outras mais flores e plantas. Há várias ventoinhas que arrefecem a sala e ao mesmo tempo harmonizam a energia, espalham harmoniosamente este cheiro forte que favorece a experiência devocional meditativa. Mulheres sentadas no chão, vestidas de branco e de pernas cruzadas, em meditação constante, enviam pensamentos de protecção, carinho e adoração à sua “Mãe espiritual”. Foi assim que eu vi este cenário espiritual, assim os meus olhos presenciaram e o meu coração sentiu. Já antes, lá fora, vi (intuí mais precisamente) a expansão da consciência de Amma. Ela não estava apenas dentro de uma sala, o “envolvimento” começava bem antes de entrar na sala do darshan. Reservo para mim próprio essa experiência intuitiva, bem como o sonho que tive nessa mesma noite. Era chegada a altura do abraço. Perguntaram-me qual a minha língua nativa – respondi que é o Português. Amma fala alguma palavras em Português – afirmou uma das colaboradoras que é de nacionalidade Brasileira. Amma estava sentava numa cadeira, sempre acompanhada por muita gente (colaboradoras e devotas, alguns fotógrafos). Todo o evento é transmitido em directo para o ecrã gigante  da sala principal do ashram, onde estão sentadas milhares de pessoas. A sala do darshan conta provavelmente com 200 a 300 pessoas. As pessoas chegam até Amma de joelhos – algumas partilham doenças de que padecem, preocupações, desejos,etc. Alguns escrevem mensagens em pequenos bocados de papel, oferecem fruta ou colares de flores. Todos querem diminuir o seu sofrimento e acreditam que ela pode ajudar. De joelhos, frente a frente com Amma, seguiu-se o abraço. Uma voz, de uma colaboradora directa de Amma, sussurou: “Portuguese, Portuguese”. Amma disse-me algumas palavras em Português, enquanto me abraçava. Um abraço de curta duração. Às vezes a eternidade dura alguns segundos. No final deu-me um pequeno rebuçado, uma forma de prasada.

Na Índia é comum o termo“prasada(m)”. Significa comida abençoada, comida purificada que foi previamente oferecida à divindade. Todos os crentes, de todas as tradições, sabem do poder da fé e da invocação de energias positivas. Afinal, onde está a consciência está o prana. A comida é abençoada – e mais precisamente a pessoa agradece o alimento e visualiza que ele seja puro, que fortaleça o seu corpo de forma harmoniosa e saudável. O prana, bioenergia da vida, está nos alimentos que consumimos e no ar que respiramos. Uma dieta equilibrada e um estilo de vida saudável intensificam a quantidade de prana nos adeptos. Quanto mais prana retemos no organismo mais saúde temos. O prana favorece o desenvolvimento e expansão da consciência. A ciência já explica de forma racional o que é a energia. Existem inclusive aparelhos que medem a intensidade do campo magnético e fotografam as diversas cores da bioenergia (máquina fotográfica desenvolvida pelo cientista Russo Kirlian).

Paulo Hayes, India, 8 Dez 2013Levantei-me e lentamente dirigi-me para saída. O meu tempo com Amma tinha terminado. Guardei essa experiência comigo. Se eu mudei não sei – o tempo o dirá. Se eu gostei, sim gostei. Foi uma experiência única e enriquecedora com aquele ser. Amma agrega toda a psicoenergia espiritual da comunidade que representa. Como guru ela sabe reter e transformar a vibração espiritual – própria e a dos seus seguidores. Representa uma consciência colectiva e um estado espiritual próprio da iluminação e da transcendência do “self”. Embora não conheça bem a sua obra irei investigar melhor. Por volta das 21:30 já me encontrava deitado. Tentei ler algumas linhas de um dos livros que me acompanha; rapidamente adormeci. Seguiu-se uma noite tranquila e um sonho incrivelmente esclarecedor da realidade transcendental. No dia seguinte saí do ashram da Amma em Amritapuri, feliz e contente por ter desfrutado desta experiência. Valeu a pena toda esta aventura, valeu a pena toda esta experiência. Continua o sorriso e a perspectiva de novas viagens espirituais e aventuras em terreno incerto. Para onde a voz da própria consciência me enviar eu irei! Sempre que possível partilharei convosco algumas das minhas experiências com a verdade. Não se trata do meu ego, mas apenas de sincera partilha de informação: é uma forma de estar longe mas estar perto ao mesmo tempo. Bem sei que nem todos podem viajar, nem todos têm essa possibilidade da aventura.

As pessoas precisam de pensamentos inspiradores para que possam expandir ainda mais a sua consciência espiritual.

Fica o texto à vossa disposição – vale o que vale na nossa memória.

Um abraço desde Kerala,

Paulo Hayes – 8 Dezembro 2013

 

 

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Publicado por Grand Yoga.

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